Coluna: Café comCiência – Heróis e Vilões Mentais do Sono

Como é bom acordar de manhã com a sensação de descanso e de ter tido um sono reparador! E como é bom ir, com essa sensação, fazer a refeição mais importante do dia: o café da manhã.
A ciência já sabe há algum tempo que o bom sono é regulado por substâncias químicas no cérebro como a adenosina, produzida pelos neurônios, que se acumula muito durante o dia em consequência dos diversos afazeres, e isso sinaliza o cérebro que é hora de parar, então como defesa, o cérebro prepara o nosso corpo para nos livrarmos dela, fazendo-nos sentir cansados, e então procurarmos a melhor solução para reverter isso: ir ao encontro de nossa amada: a cama! E é nesse ambiente agradável, escuro e relaxante que vem o sono, então a adenosina perde sua força e começa a diminuir, dando lugar aos hormônios que realmente causam o sono, como a melatonina, que é ativada em ambientes calmos e escuros. Se a adenosina não for suficientemente diminuída e a melatonina não for suficientemente aumentada durante a noite, a sensação de cansaço continua ao acordar. Mas há uma solução paliativa para isso, e é exatamente o que a maioria de nós faz todos os dias: tomar o cafezinho preto, chocolate quente ou chá. A cafeina presente nesses alimentos, em maior ou menor quantidade dependendo de cada um, tem uma configuração molecular muito semelhante à da adenosina e quando se junta a ela, ou seja, quando se liga aos seus receptores, bloqueia os efeitos da adenosina. Se temos menos adenosina acumulada no sistema cerebral, vamos nos sentir menos cansados e mais energizados. Porém, muitas vezes a cafeína não é suficiente para eliminar ou bloquear toda a adenosina acumulada, então a única solução é colocar o sono em dia.
Isso é parte do que se sabe – muito resumidamente – sobre a ciência do sono restaurador. Mas uma pesquisa recente, publicada na prestigiosa revista Science no ano passado, revelou um dado bem preocupante para aqueles que abusam da falta de sono, seja para aproveitar as “baladas” reais ou virtuais, ou por distúrbios do sono mesmo.
Os pesquisadores encontraram evidência experimental (em camundongos) que o cérebro desses animais se limpa durante o sono. Como? Através do fluído cerebroespinhal, que entra dentro da célula nervosa. Ele entra pelos canais neuronais, pequenos orifícios nos neurônios que permitem trocas entre o meio intracelular e extracelular. Mas para entrar, os canais precisam estar bem expandidos, e isso acontece muito mais frequentemente e rapidamente quando os ratos estão dormindo do que quando estão acordados. Esse fluído entra e carrega para fora os elementos tóxicos da célula, como as proteínas amilóides, as mesmas que se acumulam como placas na doença de Alzheimer.
Por experiência própria, sabemos que a falta de sono é tóxica para o corpo todo. Mas agora há evidências da real toxicidade nas células do cérebro, e de que esse problema afeta não somente o bem estar e a saúde relacionadas ao sono, mas também provoca o risco de doenças que afetam seriamente a cognição e até a própria identidade humana.010

Referência da nova pesquisa:
Sleep Drives Metabolite Clearance from the Adult Brain
http://www.sciencemag.org/content/342/6156/373.abstract